ALMODÔVAR, TERRA DE SAPATEIROS
ALMODÔVAR, TERRA DE SAPATEIROS
A alma desta vila alentejana
feita de gentes de linhol,
artesãos na terra plana,
floretas em solas de bemol.
Mais de duzentos na mesma arte
e o som melódico da malhana
percorria os campos qual estandarte
na mestria da planície ufana.
Gáspea, tala, sovela,
chanqueta, bucha, cerol,
empenha, virola, manica,
transeira, gogo, revirão.
A sinfonia ritmada preenchia o ar
pleno na esteva de cheiro.
Na tripeça, a brisa a bulinar
em chão vira de obreiro.
Passadas de bisegre
brilham nas pedras milenares
pasmadas pelo ouro alegre
da talha santa dos altares.
Costa, bucha, manica,
solagem, tirapé, trinchete,
orelha, couro, presilha,
cabedal, bota, sovelão.
No Convento de Nossa Senhora da Conceição,
ressoam passadas de padrinho,
o trabalho de brio do artesão,
deslumbradas pelo dourado pergaminho.
Olho para as minhas botas franjadas,
queda, junto à estátua do sapateiro
e penso nas artes ultrapassadas,
nas mãos calejadas, do ofício verdadeiro.
Alargo a minha alma sonhadora
na liberdade sem remonte
de Almodôvar, terra tentadora
e corro asada, descalça sobre a ponte.
Suzana Travassos Valdez
10 de Fevereiro de 2017